Cruz na Praça,1959
Ficção, curta-metragem, 35 mm, preto-e-branco.
Salvador, Bahia, 1959. Produtor, diretor, argumento e roteiro: Glauber Rocha.
Diretor de fotografia e câmera: Waldemar Lima.
Montador: Glauber Rocha. Locações: Pelourinho, Cruzeiro de São Francisco, igreja do Paço (Salvador, Bahia).
Elenco: Luiz Carlos Maciel e Anatólio de Oliveira.
SINOPSE
Assim como no primeiro (“Patio”), este filme não tem história, ou melhor, não tem roteiro discursivo. Surpreende um problema humano, expressa-o em vocábulos fílmicos e plásticos, até transferi-los para uma inequívoca simbolização. Glauber tomou as cenas do Cruzeiro de São Francisco, dos ornatos barrocos da nave, da escadaria da Igreja do Paço, das grades, das ruas e sobretudo da cruz. De uma cariátide obteve o símbolo do Bem, de outra o do Mal. Abel e Caim, porventura. De uma a outra a objetiva vai e volta, em velocidade crescente, como um pêndulo, até que se transfere para a ocorrência humana. Esta se processa no movimento circular das duas figuras em torno do cruzeiro, exaustivamente, e por fim da própria câmara que, girando, faz a cruz flutuar e andar como um andor. Os sobrados do Terreiro de Jesus assumem fisionomia de gentes, em sua candura, indagação, condenação e cinismo. Dentro da nave a lente voeja como um morcego em busca dos detalhes que se transformam em símbolos. Serafins e querubins, anjos da primeira hierarquia em sua macia nudez, monstros das colunatas, caras de demônios de baixeza talhadas nas grades de jacarandá, ao rés-do-chão. Ventres protusos, mamas de mamilos eretos, braços, pernas, nádegas e volutas. De novo a luz da praça e o reencontro das duas figuras nos degraus da imensa escada da Igreja do Paço. Súbita deflagração do Mal, incontido, agredindo. Luta. Fuga. Perseguição. Grades. Pedras roliças de rua antiga. Casas de duas janelas, sobrados, fios e postes. Fuga, cariátides, anjos desnudos, ventres, peitos, volutas. A figura do jovem desvairado de dor correndo, correndo até encontrar a cruz da praça em torno da qual circula indefinidamente. E mais nada. Transpondo tais símbolos para uma linguagem diagnóstica, dois temas se situam nesse roteiro fílmico: a existência inexorável do Bem e do Mal projetada num episódio de homossexualidade. A revelação. O trauma. A mutilação. A fuga. A seqüência final da figura do jovem mutilado correndo sem parar é simbolização do complexo de castração. Isto é, de todos aqueles para quem o sexo se revelou mediante sofrimento, dor, decepção e para sempre se condenaram. A figura gravitando, sem parar, em torno da cruz.
Uma Nota Sobre “A Cruz na Praça” por Clarival do Prado Valadares (Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 22/08/1959).